O Brasil quer retomar as aulas, mas se esqueceu de fazer o dever de casa

É inquestionável a importância da educação presencial para a saúde das crianças e para a rotina das famílias. Todos queremos um país mais desenvolvido, logo todos queremos que as crianças tenham a melhor educação possível, o mais rápido possível. Mas também é inquestionável que estamos passando por uma crise complexa e que a retomada das aulas deve ser feita com cautela. Retomar as aulas precipitadamente pode ter consequências graves para a saúde dos envolvidos diretamente, e ainda prolongar nossa situação de descontrole da pandemia atual com consequências sanitárias e econômicas para toda a sociedade. 

Como bons alunos, podemos estudar o comportamento dos outros países na retomada das atividades escolares para termos uma ideia da nossa situação no Brasil. Diversos países já começaram a retomar as atividades presenciais após o fechamento das escolas. Podemos comparar o contexto desses países usando dados de um projeto da Universidade de Oxford que acompanha indicadores de políticas públicas dos países, incluindo questões de educação.

A figura abaixo mostra todos os países que relaxaram as restrições de aulas presenciais de acordo com o acompanhamento de Oxford. Os períodos em vermelho escuro representam restrições máximas, com todos os níveis escolares sem aulas presenciais. Os períodos em laranja representam um nível mais baixo de restrição, permitindo aulas presenciais para alguns níveis escolares. Veja que diversos países já passaram para o nível laranja e até para o nível amarelo (sem exigência de fechamento das escolas, apenas recomendação). Alguns países, como Austrália, China e Alemanha voltaram a níveis mais altos de restrição, mas em geral os países mantiveram a tendência de flexibilização. Mas as coisas ficam mesmo interessantes quando analisamos como esses países estavam no momento em que começaram a diminuir as restrições.



Para a retomada das atividades escolares, é importante que o país esteja controlando a epidemia e que seja capaz de identificar novos focos de transmissão rapidamente. Na prática, isto quer dizer que o país deve ter um número controlável de pessoas doentes e uma boa capacidade de testar a população. No gráfico abaixo analisamos estas questões para todos os países acima e adicionamos o Brasil para comparar. Claramente o Brasil tem muito mais casos diários e menor capacidade de teste do que os outros países tinham quando começaram a retomar as aulas presenciais. 



A linha tracejada no gráfico mostra a proporção de testes por casos recomendada pela OMS, que é de 5% de resultados positivos. Veja que os países estavam abaixo ou muito próximos dessa linha no momento da flexibilização. Já o Brasil está muito distante. Uma retomada agora, com um número alto de casos e sem capacidade adequada de testes, seria um experimento sem precedente. O país ainda não fez o seu dever de casa e as consequências podem ser sérias. O retorno às aulas deve ser avaliado de acordo com a realidade das cidades, após o controle do número de casos e da implantação de estratégias eficientes de testagem. Protocolos de higiene e distanciamento devem ser seguidos com seriedade. Precisamos todos nos envolver, contribuir e exigir medidas responsáveis das autoridades.

 

Colaboraram: Josie Helen Siman e Guilmour Rossi

Nota sobre Covid-19 e a contração do PIB Brasileiro

O Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – IE/UNICAMP (Cecon) publicou a nota abaixo. O projeto Ciência de Dados por uma Causa colaborou com o levantamento e análise dos dados.

O impacto econômico da pandemia do Covid-19 e a contração do PIB no primeiro trimestre de 2020: não é culpa da política de saúde pública

 

Impacto econômico da COVID-19 no Brasil: podemos culpar o isolamento social?

Desde o início da pandemia, o governo do Brasil evita a implementação de medidas rigorosas de isolamento social usando como justificativa o possível impacto das ações na economia. Esta estratégia já se diferenciava das adotadas pela maioria dos países e causava preocupação entre os especialistas. Hoje, indicadores posicionam o Brasil como um dos países que mais perderam economicamente como resultado da pandemia do coronavírus. Além disso, o país se tornou o líder em mortes diárias por COVID-19 e é um dos principais epicentros da epidemia no mundo. Este artigo analisa a estratégia adotada pelo país e suas consequências, quantificando ações e resultados para compará-los com os números de outros países.

Em termos econômicos, o Brasil se destaca como um dos países mais afetados pela pandemia. Como indicador de impacto econômico, usamos aqui o Composite leading indicator (CLI), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OECD). O CLI é um indicador criado para identificar tendências de atividade econômica e é atualizado com mais frequência que outros indicadores como o PIB. O gráfico abaixo mostra como o Brasil sofreu um impacto econômico maior em comparação com os países do BRICS analisados pela OECD (Índia, China e Rússia) e também em comparação aos demais países analisados pela OECD com dados atualizados.

Dividindo as perdas econômicas entre as de antes e depois do início da pandemia nos países, o Brasil mantém a tendência de ficar entre os países mais afetados, como mostra o gráfico abaixo.

Este mau desempenho econômico do Brasil acontece ao mesmo tempo em que o país implementa medidas de isolamento social mais brandas que os outros países. Diversos indicadores mostram esta tendência. Por exemplo, o país teve comparativamente uma menor redução em poluição automotiva, indicando que menos pessoas ficaram em casa no início da epidemia, como mostra o gráfico abaixo.

Para medir a redução de poluição, tomamos como base o início da epidemia em cada país (a partir da 5ª morte) e calculamos a média de redução de poluição por uma semana (usando janeiro de 2020 como referência de valores esperados). A barra de países similares (Similar Countries) representa a média dos valores de países mais similares ao Brasil em múltiplas variáveis socioeconômicas. Os países considerados são Argentina, Irã, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Chile, Uruguai, Cuba, Equador e Arábia Saudita.

Tendências parecidas são obtidas usando o índice de mobilidade do Google, calculado usando dados de GPS de celulares com sistema Android, como mostra o gráfico abaixo.

 

Considerando as ações tomadas pelo Brasil e as comparando com as de outros países, as tendências se mantêm. Para medir a intensidade das políticas de contenção dos países, usamos o índice de rigorosidade de ações da Oxford (COVID-19 Government Response Tracker). O gráfico abaixo mostra as comparações deste índice.

Portanto, claramente o Brasil adotou medidas de contingência mais brandas que os outros países nas comparações acima. E esta falta de ação se traduz numa maior taxa de mortes por COVID-19 como consequência da resposta inadequada. O gráfico abaixo mostra como a taxa de crescimento de mortes no país é mais alta que nas demais regiões em comparação.

 

A taxa de crescimento de mortes é calculada em um período de 18 dias após o início da epidemia nos países. Este período é usado para podermos medir as consequências das respostas iniciais, uma vez que a doença requer alguns dias para se estabelecer e eventualmente causar óbitos.

Todos estes dados sugerem que o argumento do governo brasileiro não se sustenta. Não há uma associação direta entre implementação de medidas de isolamento social e impacto econômico. Isto pode ser visto no gráfico abaixo, comparando o impacto econômico com as taxas de mobilidade da população.

 

O gráfico acima mostra que independente do nível de isolamento dos países, a tendência de redução do CLI é praticamente constante. Se analisarmos agora o nível de isolamento e seu impacto em termos de mortes, uma tendência de redução clara aparece:

Portanto, como os especialistas têm afirmado desde o início, medidas de isolamento social salvam vidas.

O governo brasileiro adotou uma estratégia inadequada e uma retórica não corroborada pela realidade dos dados. Esta estratégia está amplificando os danos econômicos e humanitários no país. Ações mais efetivas precisam ser implementadas urgentemente. Caso contrário, a população continuará sofrendo as consequências das políticas inadequadas por muitos anos.

Brasil X Itália: Evolução da COVID-19 e respostas dos países

Comparações de Brasil e Itália na evolução da COVID-19

Estamos agora com um número de mortes muito parecido com o da Itália neste ponto da epidemia deles. Porém, nossa tendência de crescimento é muito pior:

O gráfico linear dá uma ideia do que nos espera pois mostra claramente nosso crescimento de casos reportados:

Em termos de isolamento social, a Itália implementou medidas mais rígidas e já está podendo relaxá-las. As medidas de isolamento rígidas na Itália duraram cerca de dois meses e meio. O Brasil implementou medidas brandas e descoordenadas por um período parecido, mas como não conseguiu reduzir o crescimento da epidemia, precisará manter as medidas por mais tempo. Veja esta comparação na imagem abaixo:

Mais detalhes e comparações podem ser vistos clicando aqui.

Dos países mais afetados, o Brasil é o que menos respeita isolamento

Dos países mais afetados pela Covid-19, o Brasil é o que menos está respeitando as iniciativas de isolamento. Os gráficos abaixo mostram como cada país (representado pela cidade mais afetada) diminuiu as emissões de poluição de automóveis.

China

Começando a retomar as atividades depois de 3 meses. Níveis de poluição ainda mais baixos que antes da epidemia

Itália, Espanha

Ainda não estão retomando as atividades, apesar de já terem passado pelo pior da crise.

Estados Unidos, Reino Unido

Isolamento continua.

Alemanha

Fez um bom trabalho de gerenciamento da crise e está começando a retomar as atividades.

Brasil

Está com números muito ruins mas já está retomando as atividades.

A importância de se aderir à quarentena

Sobre a importância de se aderir à quarentena: veja o impacto da quarentena implementada na China refletido na redução da poluição dos automóveis (linha azul).

Mesmo tendo a maior população do mundo, a China conseguiu conter a epidemia e ter um número baixo de fatalidades (pontos pretos).

EUA e Itália demoraram a reagir e implementaram medidas mais brandas. Eles estão agora tendo números muito mais altos de mortes.

Nosso site “Como está o meu País?” no ar!

Nosso site está no ar!!

O site “COVID-Como está meu país?” é parte do projeto Ciência de Dados por uma Causa.

O objetivo é fornecer dados e análises para a comparação direta entre locais afetados pela pandemia. Desta forma, experiências enfrentadas por locais que estão há mais tempo com casos de COVID podem ser usadas para o planejamento nos outros lugares.

No site, é possível acompanhar indicadores de evolução da pandemia bem como as ações locais para diminuir seus impactos. O site está em processo de evolução contínua e é fruto do trabalho dedicado de alunos, professores e colaboradores da UTFPR.

Cuidem-se.
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